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segunda-feira, junho 15

Ressonâncias Baianas


Postando aqui alguns emails, textos ou fragmentos deles, observacoes pessoais, divagacoes e outros atributos de uma percepcao propria das coisas, enviados a mim por alguns dos artistas que participaram da residencia para Itens de Primeira Necessidade em Salvador-Bahia.

O meu intuito e' o de ampliar a discussão, porque todos sabemos que um processo nao acaba ali onde se deu um final oficial. E tentar apostar nesse espaço do blog para continuar o trabalho, e o fazer reverberar, dando espaço para as ressonâncias como desdobramentos de acoes que ainda estão nos corpos a partir da (boa) experiencia comum.

Esse poderia ser um espaco para comentarios, sugestoes, retificacoes, atualizacoes e novas descobertas de voces sobre o que e como o abordamos na residencia. Cada qual do seu lugar, do seu trabalho, de suas criacoes, aulas e experiencias pessoais.
Obrigado a voces todos por se jogarem comigo, e obrigado ao Dimenti por propor esse encontro entre pessoas reais em tempo suspenso.



Cipo Alvarenga


Falando de interagir e conectar, não poderia ter sido mais pertinente essa proposta da pesquisa do ITENS como residência nesse encontro, e vejo cada vez mais uma clareza na proposta da pesquisa que incita um engajamento e disponibilidade de se expor com tamanha despretenção que acaba compartilhando algo bem mais sutil, mas em um nivel de sensibilidade tão grande a ponto de você querer cuidar ou adotar o corpo abandonado.

Tantas leituras em uma só imagem mostra o quão diverssas são essas necessidades de contole, poder,manipulação, resistência, percistência, necessidade de existir da forma mais simples e honesta que se corrompe por uma insegurança de não poder apenas ser e estar.




Fernando Lopes

Ainda estou digerindo o que vivi durante esta semana do interação e conectividade. Confusões, crises, ataques histéricos, de vaidade, tapas na cara e etc. foram correntes durante toda essa semana, e gostei bastante disso. Quando não há trocas, diálogos, interações alguns entendimentos acabam por cristalizarem-se, e as vezes isso é um risco, pois podem perder muito da sua força de conectar-se com as pessoas a volta

O que mais me pegou, e ainda está pegando sem dúvida é ser/estar em substituição do fazer/mostrar. Percebo como é fácil cair no que chamei pra mim mesmo de local de segurança, um local onde o corpo tende a ir por estar confortável alí, mas ao mesmo tempo que este se coloca em estado de conforto, o mesmo pode entrar num processo de estagnação, de cristalização.

A questão da percepção também foi outro ponto fortíssimo. Acredito que um dos grandes aprendizados da mini residência foi aprender a perceber, a olhar e a sentir não só um objeto de arte, mas também o ambiente em que vivemos e atuamos (ou seria melhor dizer, ambiente em que somos e estamos ?)



Lenira Rengel

A convivência de Marcelo Evelin por Salvador/BA

Começando no fim: Marcelo Evelin instaurou uma INSTAURAÇÃO no Teatro Vila Velha em Salvador/BA.
Simsim não me enganei! Não foi “Instalação”. Não é “Instalação”.
atoconceito: INSTAURAÇÃO.

Afetos (à la Muniz Sodré, à la Nietzsche, à la Evelin, à la Spinoza),
densidade da sutileza e o trânsito afetado... o trânsito das pessoas, da respiração, do pensamento, dos automóveis, do corpo TODO (será que é preciso dizer: TODO? Ou... claro! corpo já é TODO). Uma suspensão que a arte pode causar e por isso mesmo tão ativa no mundo.
Tão impactante na democracia do não palco não platéia: MONO e a INSTAURAÇÃO de um serestar comovente, pacífico, controverso, aberto!!!!!!!!
INSATURAÇÃO profunda que Marcelo é/faz, no arrepio do conceito (à la Jorge Alencar). Pessoas tiravam fotos. Penso que no arfar (respira, pulsa, olha) de levarguardar, assegurar o estado instaurado. UAU.

Mais no fim: Teatro do Movimento/Escola de Dança da UFBA. No chão, espaço da igualdade não semelhante instaurada por Marcelo, um abraço bem perto...doS corpoS: “vou sentir saudades”.

Terça a sábado: profissionais (de muitos lugares) da dança, do teatro, e da performance, da fotografia e do cinema (também), na convivência em Salvador, no pequeno charmoso teatro do ICBA (Instituto Cultural Brasil Alemanha). Cumplicidade, falas, nossas biografiasbibliografias (in)comuns. E Marcelo Evelin foi instaurando, sendo, estando, propondo um CORPOLUTA.
E, então, nossas vidasidéiaspesquisas partilhadas, jogadaslargadas artisticamente na rua, no Corredor da Vitótia e íamos cada um, cada dupla, cada todos a nos perceber = em Política, em Comunicação, em Alteridade, em Percepção.



Rita Aquino

escrevo pra te dizer que a mini-residência foi super importante pra mim. honestamente.
as questões que trouxeram, o modo como trouxeram, as reverberações nos corpos participantes, o momento do acontecimento... fiquei muito, muito mobilizada. mesmo!

as idéias de ser e estar, assim como essa assunção de uma luta própria, particular, ao mesmo tempo em que absolutamente vinculada a um outro (corpo, idéia, contexto) me sacudiram de um jeito muito especial. em boa circunstância, essa sacudida - não à toa deixou marcas contundentes em espaços de ensaio, aulas e em relações bastante pessoais. sinto uma potência reposicionada pelo sentido, um sentido construído solitária e compartilhadamente. muitos ecos ressoam, e soam e soam...

mono foi também bastante arrebatador. o vila recheado de bonecos de plástico, uns enfileirados, outros observando... um corpo muito delicado e preciso em ser ao mesmo tempo frágil, dominador, perverso, infantil, abandonado, observador, indefeso... me interesso muito por isso que aí está - tem algo que vai além da lógica de afirmar ou opor, e acho que traz encaminhamentos fortes para não apenas reagir a uma realidade, mas propor algo em relação ao que está posto...

depois de segunda (tem um tempo para digerir, né), percebo que o estranhamento pouco a pouco se transforma em outro estado, aida meio difícil de nomear. mas tem a ver com um jeito de se colocar no mundo - de novo, um tal engajamento. sinto algo bem bacana, que está me afetando bastante. tem até uma coisa que eu levei pra duto e líria no ensaio de ontem, um desdobramento da tremulidão branca frente à igreja da vitória, e que a gente tá vendo pra onde vai no trabaho... fiquei com vontade de mandar pra vocês aí do dirceu também (até pedi o endereço novo do núcleo pro hudson), vamos ver se rola!

pra mim este foi mesmo um encontro bem especial... e tenho expectativas de novos cruzamentos (ou encruzilhadas, ao sabor baiano) por aí!

sobre o corpo-branco-igeja-branca, escrevi um pequeno texto que copio logo abaixo. um material que apareceu entre segunda e terça, e que já tentei construir sob a forma de objeto (o tal que eu mandaria pelo correio), e de cena (o que tem me inquietado bastante).

pensar nisto enquanto cena está sendo um processo junto a duto e líria - levei o troço pro ensaio esta semana. na verdade, acho que agora sim levei minha luta para o trabalho, de um jeito mais claro, até para mim. bacana perceber o quanto isto tornou nosso compartilhamento ainda mais vivo e motivador.

Era uma vez uma menina que não acreditava em Deus. De tão incrédula ela endeusava a tudo e a todos. Talvez ela não acreditasse em Deus, mas em devotos. A menina que era devota o era pois tinha medo de deixar de existir. Tinha escutado em algum lugar que algo que ninguém vê, nunca viu, nem ouviu falar, não existe. A menina então se esforçava para existir na vida de tudo e todos, fosse gente, peixe ou árvore (a menina um dia se viu forçando para existir até para uma poltrona de avião!). Aquilo que não existia, pensava a menina, não deveria ter cor, nem peso, nem densidade. Ora, a menina queria ter tudo isso, mas numa medida muito exata, pois aquilo que não era exato já tinha risco de não ser desejado, o que já é quase não ser. E não ser devia ser como uma coisa no lixo, que a gente não quer que exista e descarta da nossa vida. Bom, o lixo deveria existir na vida de alguém, mas como a menina não conhecia quem era o dono do lixo (devia ter algum parentesco com Deus), ela simplesmente se esquecia de pensar nisso. Era uma vez uma menina que tinha medo de ser esquecida por alguém. Para que ninguém esquecesse dela, ela se esquecia dela mesmo, um pouquinho a cada dia... E de tanto esquecer, um dia ela deixou de existir. Como ela deixou de existir, ninguém até hoje sabe se ela encontrou Deus ou não.



Líria Morays

Há algo que sai quando o ar sai... há uma resistência para deixar sair ar
Ar sopra quente quando o corpo está vivo e deseja
Deseja deixar falar e assinar a palavra,
O ar da palavra ar
Que sopra, enche, despenca e desabafa no abismo do abandono
Quem deseja te ouvir, ar quente? Quem deseja o beijo soprado, sugerido, louco para combustão?
Quem queima e teima em explodir deslocadamente nos braços do desejo?
Incoerentemente no passeio para não pedestre, insistentemente caindo e fumando o próprio ar... na esquecida abandonada festa do desejo na Vitória vitoriosa do ar!!!

A oficina:

Havia uma vontade de estar junto das pessoas, e um estar a vontade, e uma curiosidade pra saber sobre o quê mesmo a gente queria falar. Parece que as pessoas de dança necessitam se encontrar para conversar, e, conversar dançando sobre o que elas são.

A performance:

A sensação de abandono na performance foi chegando aos poucos. Os carros passavam e eu conseguia sentir a temperatura do chão de cimento do posto de gasolina. As pessoas eram civilizadas passantes em seus conversíveis e me olhavam piedosamente como a uma coitada. A ação performática me sugeria uma linha tênue entre a arte e a loucura – que sentido poderia estar sendo traçado naquele momento? Perder o sentido era uma metáfora quando eu desmaiava com a respiração sufocada e, perder o sentido no abandono era uma necessidade de falar sem conseguir. Muito bom! Eu precisava de mais uma hora para sucumbir... rsrsrsrsrs




Iara Cerqueira


CORPO SEM CORPO

Descrição de um estágio composicional artístico em tempo real.
Um exercício do olhar dentro/fora da ação.

Pessoas caminham vagando na rua, adultos, idosos, jovens, turistas, vagabundos, mendigos,bêbados...... Qual ao destino? Não importa.Se deparam com pessoas, numa avenida em que se situa o metro quadrado mais caro de Salvador, e encontram corpos, soltos, correndo no lugar, se embrulhando, sentados, pelo chão, pela rua, ajoelhados, deitados, embalados, se equilibrando, estáticos, com um plástico na barriga, com um pano cobrindo o rosto,se lavando; não são corpos comuns, contém uma disposição diferente de quem transita naquela zona ou que tem um arquétipo de mendicância.

Ao som das buzinas de carros, das vozes das pessoas, e de olhares que se tornam cúmplices no julgamento daquele momento sem nunca se terem vistos, se tornam parceiros e entrecruzam pensamentos como se fossem eles, os inquisidores, de julgados a julgadores que levam seus passos e adentram a esse ambiente.
Os espectadores/transeuntes, cada qual com sua história, memória e imaginação, pisam e registram sua passagem com rapidez e a uma distância segura para que não haja qualquer forma de contato, esbarro ou colisão com esses seres herméticos que atuam neste território/rua/Salvador.

Esse processo não tem começo, possa ser que tenha se iniciado com o bate papo informal e despretensioso, proposto por Marcelo Evelin na sala de ensaio, com pessoas com absoluta vontade de experienciar, dando seus vastos depoimentos biográficos, ou no momento da performance/ação na rua, ou ainda durante o decorrer desse processo pós-performance, isso irá depender de cada corpo.

Na performance/apresentação no corredor da Vitória em Salvador/Bahia, a apresentação se deu como um processo já em andamento não se fazendo anunciar pelos sinais propostos em salas de teatros convencionais, indicando o início de uma apresentação formal.

A impressão inicial é de que os corpos ali instalados pareciam se compor de vazios, corpos em total estado de solidão, que não se comunicam. Corpos jogados ecoam em meio ao aquele cenário rico e suntuoso da primeira capital do Brasil. Ao fundo, imagens compõem a ação, árvores centenárias, igrejas e museus seculares,lojas de presentes, olhos arregalados,colégio,edifícios suntuosos, adolescentes,banca de revista, construções, aparts. Não se tem objeto de cena, iluminação, cenografia, linóleo, o ambiente/rua se revela de forma gradativa na medida em que as pessoas penetram aqueles corpos e perguntam:

São loucos? Drogados?Ela é louca?Aconteceu algo nessa rua?Vamos chamar a polícia?Ato político?Onde está o SAMU?Não faça isso se não morre!Já fotografei, chega agora!Se mate vá! Cuidado para não ser roubado!Tão jovem e já enlouqueceu!
Será que morreu?Eu já vi isso, é louca mesmo?Moça, ele é doente?O que está acontecendo hoje?Pode entrar , amanhã tem mais!Nossa ele é forte mesmo!Olha, eu moro na rua, cuidado vão levar o seu Ray Ban(?).Tem um tempão que está se batendo na parede!Aceita uma escova minha filha?Ele tá ai a um tempão, viu?Ela está fazendo propaganda para a loja,volte que amanhã tem mais!

Enfim,o corpo se torna uma mercadoria, exposto e à venda para aquelas pessoas e suas descrições/análises pessoais.
Os transeuntes/espectadores, faziam cada um o seu próprio diagnóstico, os olhares se tornavam mais questionadores e na frente dos performeres eles criavam certa intimidade, um ato evasivo próprio da baianidade soteropolitana.
Perguntam, ameaçam, questionam, soltam gracejos.....

O local centenário é sugestionador de imagens.Cada vez mais, pessoas param para observar a cena/ação, induzidos pelas informações corporais transcritas pelos corpos/cadáveres , afim de se tornar também um participante ativo nessa ação que envolveu um coletivo de artistas que foram selecionados para participar de uma mini-residência com o coreógrafo Marcelo Evelin PI/HO, no projeto Interação e Conectividade III, proposta pelo Grupo Dimenti/Ba.

Em Itens de Primeira Necessidade, o processo de compartilhamento proposto desde o uso da roupa até o local da ação, foi uma das estratégias criativas coreográficas utilizadas e propostas para execução da performance/ação.

Aquelas cenas repetidas insistentemente, de forma crua com/sem roupas, que deixam à mostra corpos/sentimentos/afetos fazem também parte do processo.Para o público eles não eram mendigos, pois eles observavam as formas do corpo, os corpos, e as roupas.Eles eram alguma coisa.Mas existia certo mal estar por causa daqueles corpos/performers estarem localizados naquele local burguês, sem nenhum tipo de afrontação, mas de ação conjunta, numa mobilização continuada de pessoas que pareciam se situarem em um contexto fora dos padrões hetero-normativos de uma sociedade contemporânea.

Qualquer ação, poderia acontecer durante esse percurso, sem previsão sobre essas ações que podiam decorrer das relações entre os transeuntes/performer durante a performance, o grande desafio era atuar e ao mesmo tempo e manter a interação/conectividade não apenas no ser/estar corpo , mas em todos os elementos que compõem a rua, carros, lixo, pedintes, malucos, crianças..........

Fiz uma pergunta durante essa ação?Como sobreviver?Resistir?Seria, aceitar para sobreviver?
Nessa ação, lembrei dos corpos em Auschwitz, que eram submetidos a uma ideologia baseada no autoritarismo, perversidade e na morte em série de pessoas e à razão de um Estado, que pretendia banir as diferenças, negando-lhes a própria humanidade. A sociedade contemporânea descrita por Zygmunt Bauman, se mostra na violência com o qual as pessoas olham aqueles corpos, com indiferença, para uns, com medo ou com piedade para outros, como essa performance foi aberta, propiciou leituras diferentes, uma relação/ olhar que se reestrutura a medida que penetra ao pensamento e a partir da capacidade criativa e interpretativa de cada transeunte/espectador.

A dança é um fenômeno complexo, essa complexidade abrange estímulos que se envolvem para operarem de forma conjunta de maneira que se forma como pensamento do corpo.Essa definição de que a “dança precisa estar sendo feita”, dita por Helena Katz, cabe perfeitamente como é entendida nessa experimentação.As ações são realizadas inseridas naquele espaço-tempo, por meio de experimentos próprios/investigativos, rodeada por todo um local chamado Corredor da Vitória.
Todo o processo instigou de forma muito singular o exercício criativo, favoreceu e estimulou a percepção em relação à experiência contato/ rua, o conhecimento humano e a individualidade de cada artista, uma descoberta muito pessoal/processual.

Inesquecível!

2 comentários:

Lucas Valentim disse...

4 dias de encontro, em um exercício delioso de autonomia e auto-organização entendendo e respeitando os espaços que tornam cada pessoa só em si. participar dessa residência me fez repensar insistentemente no modo/maneira de pensar e organizar o meu fazer-artístico.
foi muito interessante pensar sobre essa idéia que difere o fazer/mostrar do ser/estar. acho que aqui já é apontada uma grande luta que implica na subversão e no reposicionamento dessas questões.
muitos outros questionamentos emergiram desse encontro: como identificar e propor estratégias de aproximação entre o publico e o performer? ou ainda, como deslocar o publico para um espaço de quase performer, no sentido de compartilhar e interferir na ação performática?
para além desses questionamentos de ordem prática me vem ainda de uma forma um pouco mais poética o fragmento que escrevo abaixo:

Se o copro é um item, o que é a embalagem?

Antes do encontro:

Olhando-se no espelho, vestiu a camisa que ganhou de um amigo. Escolheu a calça que todos diziam lhe cair tão bem. Pegou seu perfume de sândalo, passou atraz da orelha, nos pulsos e na região pulbiana. Ajeitou o cabelo. Conferiu se o dente estava realmente limpo. Saiu. Todo embrulhado para presente.

Lucas Valentim disse...

eh isso
bjoooo saudades