Pesquisa > Itens de Primeira Necessidade > Corpo Sitiado > A Luta > Questão Equacionada no Corpo > Keep It Real

terça-feira, junho 30

Dance and (very much of) Her: Farewell Pina! And Thanks!















“Sai desse primeiro dia mudo, sem entender nada, mas entendendo que alguma coisa tinha passado comigo.
Dia seguinte, voltei para ver o outro programa com a sensação de quem vai a um lugar proibido, como uma criança que vê um filme que ainda não pode ver. (Eu tinha 18 anos e, nesse tempo, o Brasil tinha censura). Achando que sabia o que ia acontecer com a tal cia. Estrangeira, me deparei com Kontakthof, uma peça bastante longa, uma peça que não parecia com teatro, nem dança, nem coisa nenhuma, mas que me deixava incomodado, ou intrigado, na verdade me deixou num estado que nunca tinha estado antes, um abismo, uma vertigem, um buraco sem volta. Na peça eu via os bailarinos do dia anterior agindo normalmente e pra mim era como se estivessem "traindo" a dança, porque não dançavam, nem usavam roupas de dança, nem seguiam a música. Eles caminhavam em linhas retas, mostravam as unhas e os dentes, ficavam sentados por horas como que esperando por nada. Tudo mudava sem que se pudesse prever como e porque, e isso me deixou num estado de excitação absoluto, eu fui entrando na coisa, fiquei querendo mais e mais, e a peça era longa, eu já estava lá por mais de duas horas. Saí do teatro e fiz grande parte do caminho de volta pra Copacabana a pé, pra digerir, pensando no movimento dos braços dos bailarinos fazendo coisas simples, os braços e a relação deles com o quadril, o cotovelo, o torso, as pernas que pareciam mover como braços. Fiquei muito impressionado com aquelas imagens, passei semanas pensando naquilo, que não era dança e também não era teatro.”
Marcelo Evelin

“No inicio dos 80, ela, de certa forma, abriu uma porta, apresentou possibilidades estéticas e de conteúdo. Acho que ela simplificou essa coisa de mostrar, se mostrar no palco. Tinha uma coisa antenada com o que se passava no mundo, e tinha muito rigor e elegância. (...) Ela já falava de multiculturalismo, de corpo como sujeito, permitindo tudo, alterando, quebrando padrões. E o mundo foi caminhando pra isso, e o Brasil também, claro.”
Marcelo Evelin

(citacoes da tese de mestrado (PUC-SP) de Paula Petreca sobre a obra de Pina Bausch, em entrevista concedida em 05 de janeiro de 2008)

quinta-feira, junho 25

Music and Him



Michael Jackson
1958-2009


Acho que comecei a ouvir musica, - nao a que os meus pais ouviam em casa ou a das festinhas de crianca - com "Music and Me". Comecei a ouvir musica no inicio dos 70, com aquela melancolia rebelde da epoca, e a incompreensao do que viria a ser "ser alguem" totalmente incorporada.
"Music and Me" tava no disco de capa azul - um dos meus primeiros discos LP - dos 5 irmaos negros e americanos. A musica virou o hit do disco, a mais melosa, e eu cantava alucinadamente sem ter nenhuma ideia do que eles diziam, enrolando a lingua e fechando os olhos embalado no som do michael.
Acho que ja falavam na epoca de como as criancas tinham que seguir cantando a mando do pai, fazendo turnes e trabalhando horas por dia sem poderem desfrutar de suas infancias.

Michael cresceu e virou Star, dancava de um modo que so ele sabia dancar, e dancava muuuuuito, de uma forma impressionante. Criou o "passo" Moon Walk que virou uma marca de estilo, uma referencia para a street dance que surgiria logo ali. Fez o clip "Bad" que tambem e' uma referencia, com aqueles zombies fakes pessimamente maquiados e ele esfarrapado-fashion comandando a zombiezada, numa versao realmente bad dele.

Michael comecou a ficar estranho, e passou a ser assunto controverso na midia das celebridades. Fazia operacoes pra afinar o nariz e varios tratamentos quimicos para clarear a pele, ou seja, ficar branco. Virou rato de laboratorio, cobaia de experiencias estranhissimas, vivia coberto de esparadrapos e veus fugindo do sol. Ficou amigo intimo da atriz Elizabeth Taylor (ela deve ta bem mal) e comecou a se parecer com ela, diziam que os cirugioes o estavam operando pra ter a cara da amiga Elizabeth.

Comecou a entrar naquele estagio sombra, se isolou e passou a ser quase lendario, sem aparecer em lugar nenhum, daquela maneira que a gente comeca a se perguntar se ainda esta vivo ou ja morreu, se e' gente mesmo ou imagem virtual. Adotou umas criancas de nomes estrambolicos, nao deixava que ninguem as visse, cobrindo as criancas com capas e veus ate que a imprensa o acusou de sentar um dos bebes na janela de um predio de forma perigosa e irresponsavel. Dai foi um salto para toda a estoria de pedofilia que passaram a lhe acusar, com processos e escandalos na imprensa e o mundo abalado com o astro pop que bulinava garotinhos.

Lembro do videoclip do "Black or White" sendo lancado na MTV. Naquela epoca nao tinha You-Tube nem dvd e a coisa da music television tava pegando mesmo, impulsionada pela pop music of the world e os incriveis avancos do Video Technology. Foi mais ou menos o inicio dos bares com tvs ligadas em canais de musica, e a tv ligada o dia inteiro em casa com aquelas imagens em movimento entrando em profusao.

O "Black and White" trouxe uma questao certeira, muito pertinente na epoca: A ideia de globalizacao e multiculturalismo. Estavamos comecando a falar de intercambio de culturas, hibridismo cultural, identidades mesticas, mundo coletivo, no matter if you're black or white.
Michael cantava saltando glamourosamente de um lugar para outro, da India pro meio da selva, de New York pra Moscou coberto de neve, misturado a indios Apaches e dancarinas de katakali no meio das guerras, saindo das chamas dos bombardeios branco e esvoacante com seu cabelinho muito liso ao vento.
Acredite se quizer mais era o maximo!

Sou avisado da morte dele no FaceBook, com alguns comentarios do tipo "e ele ja nao estava morto?". Talvez sim. Mais hoje vira oficial, passa de lenda mitica a corpo socorrido em hospital com o coracao parado, vira gente real, morre de parada cardiaca. E como diz o Ricardo Marinelli "da um vazio esquisito" na gente, principalmente naqueles que, quer queira quer nao, conviveram quase quarenta anos com music and him.

O que faz um coracao parar de bater?
No caso dele acho que foi solidao.

Pra ver o Black or White
http://www.youtube.com/watch?v=ZI9OYMRwN1Q
(nao sei salvar como link, sou do tempo do surgimento do Jackson Five)

quarta-feira, junho 24

desejo


desejo
de.se.jo
(ê) sm (baixo-lat desidiu)
1 Ação de desejar.
2 O que se deseja.
3 Anseio, aspiração veemente.
4 Cobiça.
5 Apetite, vontade de comer ou de beber.
6 Apetite carnal, concupiscência.
7 Desígnio, intenção.
8 Psicol "Impulso, acompanhado da imagem da sua satisfação; surge quando há demora na satisfação desse impulso" (Donald Pierson).
D. de consideração, Sociol: "desejo de ser bem conceituado, de obter distinção para sua própria pessoa e realizações, de gozar de prestígio, de suscitar, no grupo, concepção lisonjeira" (Donald Pierson).
D. de correspondência, Sociol: "desejo de apreciação íntima, preferencial, completa, permanente, por parte de outros, como, por exemplo, o de ser objeto de afeição materna, paterna, fraterna, conjugal" (Donald Pierson).
D. de novas experiências, Sociol: "desejo de contatos e estímulos novos, diferentes e excitantes" (Donald Pierson).
D. de segurança, Sociol: "desejo de ficar ao abrigo de mudanças perturbadoras" (Donald Pierson).
D. sexual: o mesmo que amatividade, acepção 2.

imagem: logo apple macintosh
fonte: google

necessidade


necessidade
s. f.

1. Carácter! do que é necessário.
2. Falta do que é necessário.
3. Obrigação imprescindível.
4. Força maior; impossibilidade de deixar de agir ou de dizer.
5. Míngua, falta.
6. Pobreza extrema.
7. Acto! de urinar ou de defecar.

De primeira necessidade:
diz-se do que é necessário para conservar a vida ou para obter os meios de a conservar.

dia: 16 de junho de 2009
no: ônibus coletivo saci via shopping
empresa: cidade verde
foto: elielson pacheco

segunda-feira, junho 22

Ceu na Cara




Jovem belga dorme na mao do tatuador e acorda com 56 estrelas no rosto.



Um colecionador de arte alemão comprou por 150 mil euros (o equivalente a cerca de US$ 200 mil) uma tatuagem feita pelo artista belga Wim Delvoye nas costas de um músico, de acordo com o jornal britânico "The Sunday Times".

"Eu estou interessado em conceitos e idéias", disse Reinking. "É uma beleza!", disse ele da obra comprada.

A verdadeira "tela viva", Tim Steiner, de 30 anos, é de Zurique e toca na banda Passive Resistance. Depois da compra, ele teve que assinar um complexo contrato dando direito a Reinking, ou a seus herdeiros, de reivindicar a tatuagem de seu corpo quando Steiner morrer.

"Eu não gosto de pensar nisso ainda", disse Steiner, segundo o jornal britânico, "mas minhas costas vão ganhar um tipo de durabilidade, sobrevivendo a todo mundo. Isto me diverte."

Peça de museu

Steiner concordou ainda em "exibir" o trabalho pelo menos três vezes por ano e tem prevista participação em uma mostra num museu em Karlsruhe, na Alemanha.

Esta não será a primeira vez que o músico expõe a imagem colorida de suas costas, que inclui rosas, uma caveira e uma imagem da Virgem Maria. Recentemente ele foi "exibido" em uma galeria de arte em Xangai. "Eu me sento, ou fico de pé, voltado para a parede. Tenho permissão para fazer intervalos de 40 minutos", disse ele, de acordo com o "Sunday Times".

Steiner disse que entrou no mundo da arte através de um amigo que trabalhava em uma galeria. O amigo disse para ele, em 2006, que Delvoye estava procurando gente que se dispusesse a alugar partes do corpo para que fossem transformadas em obras de arte. Ele ficou 30 horas se sujeitando às agulhadas que o transformaram em "arte viva".

Mas hoje sua vida continua normal. "Nada mudou para mim", afirma. "Eu sou apenas a moldura que carrega a imagem."

Delvoye, é um artista conceitual famoso por romper tabus sociais e por tatuar porcos vivos em uma "fazenda de arte" na China, diz o Sunday Times.

Delvoye disse que foi inspirado para usar as costas de um ser humano como tela por um conto do autor galês Roald Dahl, Skin (Pele), em que um personagem traz nas costas a tatuagem feita por um artista famoso.



Quais sao seus itens de primeira necessidade?

terça-feira, junho 16

Nao-Lugar ao Sol






Natureza versus Cultura, a antiga discussao.
Acho que nao so borramos essa fronteira completamente, como ela mudou de lugar, foi deslocada para um outro eixo da questao do homem contemporaneo.

Ando perseguindo esse conceito de nao-lugar proposto por Marc Auge', em sua Antropologia da Supermodernidade.
Ainda nao consigo abarcar completamente o conceito de Supermodernidade, mas gosto da sonoridade da palavra, a ideia de movimento e velocidade empregada na situacao do mundo atual.

Supermordenidade seria cultura para o Antropologo Frances, e os nao-lugares estariam diretamente em oposicao a “toda uma tradicao etnologica de uma cultura localizada em um tempo e um lugar”.

Talvez esse conceito fisico-espacial em Auge' se relacione com Lipovetsky quando fala do consumo como territorio da supermodernidade, os servicos, as ofertas,cambios afetivos e bens imateriais como itens de primeira necessidade.

O que passa na verdade e’ que a ideia de nao-lugar nao se relaciona em nada com o ermo, o nao habitado, o sertao por exemplo.

E teria estado o “Sertao” (a obra, 2003) algum dia relacionado ao nao-lugar?

Talvez sim. E agora talvez o “Itens” seja o mesmo nao-lugar deslocado para esse lugar da supermodernidade, superhabitado, supercontaminado, overloaded.

Espaco como “lugar praticado” (michel de Certeau).
E ainda tem a distincao do Auge' entre “lugar geometrico” e “lugar antropologico”, considerado esse ultimo como “espaco existencial”, “lugar de uma experiencia de relacao com o mundo de um ser essencialmente situado em relacao com um meio” .

E presinto como estando absolutamente conectado – ou sendo a mesma coisa – que o espaco do entre, que talvez fosse tambem o lugar invisivel das linhas abissais do Boaventura, que talvez seja ate a terceira margem do Guimaraes.

Margens moveis, talvez mais ate do que intermediarias.
Margens em schift permanente, em mudancas de niveis, na tal total complexidade do mundo.

E ai a coisa complica, porque me leva aas questoes de como formatar o espaco do espectador, ou da-lhe o espaco da experiencia em si. Seria como te-lo inserido nesse espaco e nao mais apresenta-lo ao espaco da representacao, do significante.

O conteudo eu diria, ja esta totalmente imbricado no formato, no meio de. O corpo nao mais se separa (quanto maneira de se dar a ver e arquivo psicotico de informacoes) do espaco, o corpo passa a ser o espaco, e ai tenho que desconsiderar essa separacao entre os dois.

E isso me leva pra irmandade etica versus estetica, impressionante essas convencoes de dualismo/dicotomia a priori engesadas em nossa maneira de pensar, por seguranca talvez.

E onde entra a “riatualizacao” da experiencia individual (do interprete e do espectador) transformada em coletividade na acao artistica?
No pacto da “representacao” ou em um possivel des-angular na percepcao dos dois, o que emite e o que recebe?






segunda-feira, junho 15

Ressonâncias Baianas


Postando aqui alguns emails, textos ou fragmentos deles, observacoes pessoais, divagacoes e outros atributos de uma percepcao propria das coisas, enviados a mim por alguns dos artistas que participaram da residencia para Itens de Primeira Necessidade em Salvador-Bahia.

O meu intuito e' o de ampliar a discussão, porque todos sabemos que um processo nao acaba ali onde se deu um final oficial. E tentar apostar nesse espaço do blog para continuar o trabalho, e o fazer reverberar, dando espaço para as ressonâncias como desdobramentos de acoes que ainda estão nos corpos a partir da (boa) experiencia comum.

Esse poderia ser um espaco para comentarios, sugestoes, retificacoes, atualizacoes e novas descobertas de voces sobre o que e como o abordamos na residencia. Cada qual do seu lugar, do seu trabalho, de suas criacoes, aulas e experiencias pessoais.
Obrigado a voces todos por se jogarem comigo, e obrigado ao Dimenti por propor esse encontro entre pessoas reais em tempo suspenso.



Cipo Alvarenga


Falando de interagir e conectar, não poderia ter sido mais pertinente essa proposta da pesquisa do ITENS como residência nesse encontro, e vejo cada vez mais uma clareza na proposta da pesquisa que incita um engajamento e disponibilidade de se expor com tamanha despretenção que acaba compartilhando algo bem mais sutil, mas em um nivel de sensibilidade tão grande a ponto de você querer cuidar ou adotar o corpo abandonado.

Tantas leituras em uma só imagem mostra o quão diverssas são essas necessidades de contole, poder,manipulação, resistência, percistência, necessidade de existir da forma mais simples e honesta que se corrompe por uma insegurança de não poder apenas ser e estar.




Fernando Lopes

Ainda estou digerindo o que vivi durante esta semana do interação e conectividade. Confusões, crises, ataques histéricos, de vaidade, tapas na cara e etc. foram correntes durante toda essa semana, e gostei bastante disso. Quando não há trocas, diálogos, interações alguns entendimentos acabam por cristalizarem-se, e as vezes isso é um risco, pois podem perder muito da sua força de conectar-se com as pessoas a volta

O que mais me pegou, e ainda está pegando sem dúvida é ser/estar em substituição do fazer/mostrar. Percebo como é fácil cair no que chamei pra mim mesmo de local de segurança, um local onde o corpo tende a ir por estar confortável alí, mas ao mesmo tempo que este se coloca em estado de conforto, o mesmo pode entrar num processo de estagnação, de cristalização.

A questão da percepção também foi outro ponto fortíssimo. Acredito que um dos grandes aprendizados da mini residência foi aprender a perceber, a olhar e a sentir não só um objeto de arte, mas também o ambiente em que vivemos e atuamos (ou seria melhor dizer, ambiente em que somos e estamos ?)



Lenira Rengel

A convivência de Marcelo Evelin por Salvador/BA

Começando no fim: Marcelo Evelin instaurou uma INSTAURAÇÃO no Teatro Vila Velha em Salvador/BA.
Simsim não me enganei! Não foi “Instalação”. Não é “Instalação”.
atoconceito: INSTAURAÇÃO.

Afetos (à la Muniz Sodré, à la Nietzsche, à la Evelin, à la Spinoza),
densidade da sutileza e o trânsito afetado... o trânsito das pessoas, da respiração, do pensamento, dos automóveis, do corpo TODO (será que é preciso dizer: TODO? Ou... claro! corpo já é TODO). Uma suspensão que a arte pode causar e por isso mesmo tão ativa no mundo.
Tão impactante na democracia do não palco não platéia: MONO e a INSTAURAÇÃO de um serestar comovente, pacífico, controverso, aberto!!!!!!!!
INSATURAÇÃO profunda que Marcelo é/faz, no arrepio do conceito (à la Jorge Alencar). Pessoas tiravam fotos. Penso que no arfar (respira, pulsa, olha) de levarguardar, assegurar o estado instaurado. UAU.

Mais no fim: Teatro do Movimento/Escola de Dança da UFBA. No chão, espaço da igualdade não semelhante instaurada por Marcelo, um abraço bem perto...doS corpoS: “vou sentir saudades”.

Terça a sábado: profissionais (de muitos lugares) da dança, do teatro, e da performance, da fotografia e do cinema (também), na convivência em Salvador, no pequeno charmoso teatro do ICBA (Instituto Cultural Brasil Alemanha). Cumplicidade, falas, nossas biografiasbibliografias (in)comuns. E Marcelo Evelin foi instaurando, sendo, estando, propondo um CORPOLUTA.
E, então, nossas vidasidéiaspesquisas partilhadas, jogadaslargadas artisticamente na rua, no Corredor da Vitótia e íamos cada um, cada dupla, cada todos a nos perceber = em Política, em Comunicação, em Alteridade, em Percepção.



Rita Aquino

escrevo pra te dizer que a mini-residência foi super importante pra mim. honestamente.
as questões que trouxeram, o modo como trouxeram, as reverberações nos corpos participantes, o momento do acontecimento... fiquei muito, muito mobilizada. mesmo!

as idéias de ser e estar, assim como essa assunção de uma luta própria, particular, ao mesmo tempo em que absolutamente vinculada a um outro (corpo, idéia, contexto) me sacudiram de um jeito muito especial. em boa circunstância, essa sacudida - não à toa deixou marcas contundentes em espaços de ensaio, aulas e em relações bastante pessoais. sinto uma potência reposicionada pelo sentido, um sentido construído solitária e compartilhadamente. muitos ecos ressoam, e soam e soam...

mono foi também bastante arrebatador. o vila recheado de bonecos de plástico, uns enfileirados, outros observando... um corpo muito delicado e preciso em ser ao mesmo tempo frágil, dominador, perverso, infantil, abandonado, observador, indefeso... me interesso muito por isso que aí está - tem algo que vai além da lógica de afirmar ou opor, e acho que traz encaminhamentos fortes para não apenas reagir a uma realidade, mas propor algo em relação ao que está posto...

depois de segunda (tem um tempo para digerir, né), percebo que o estranhamento pouco a pouco se transforma em outro estado, aida meio difícil de nomear. mas tem a ver com um jeito de se colocar no mundo - de novo, um tal engajamento. sinto algo bem bacana, que está me afetando bastante. tem até uma coisa que eu levei pra duto e líria no ensaio de ontem, um desdobramento da tremulidão branca frente à igreja da vitória, e que a gente tá vendo pra onde vai no trabaho... fiquei com vontade de mandar pra vocês aí do dirceu também (até pedi o endereço novo do núcleo pro hudson), vamos ver se rola!

pra mim este foi mesmo um encontro bem especial... e tenho expectativas de novos cruzamentos (ou encruzilhadas, ao sabor baiano) por aí!

sobre o corpo-branco-igeja-branca, escrevi um pequeno texto que copio logo abaixo. um material que apareceu entre segunda e terça, e que já tentei construir sob a forma de objeto (o tal que eu mandaria pelo correio), e de cena (o que tem me inquietado bastante).

pensar nisto enquanto cena está sendo um processo junto a duto e líria - levei o troço pro ensaio esta semana. na verdade, acho que agora sim levei minha luta para o trabalho, de um jeito mais claro, até para mim. bacana perceber o quanto isto tornou nosso compartilhamento ainda mais vivo e motivador.

Era uma vez uma menina que não acreditava em Deus. De tão incrédula ela endeusava a tudo e a todos. Talvez ela não acreditasse em Deus, mas em devotos. A menina que era devota o era pois tinha medo de deixar de existir. Tinha escutado em algum lugar que algo que ninguém vê, nunca viu, nem ouviu falar, não existe. A menina então se esforçava para existir na vida de tudo e todos, fosse gente, peixe ou árvore (a menina um dia se viu forçando para existir até para uma poltrona de avião!). Aquilo que não existia, pensava a menina, não deveria ter cor, nem peso, nem densidade. Ora, a menina queria ter tudo isso, mas numa medida muito exata, pois aquilo que não era exato já tinha risco de não ser desejado, o que já é quase não ser. E não ser devia ser como uma coisa no lixo, que a gente não quer que exista e descarta da nossa vida. Bom, o lixo deveria existir na vida de alguém, mas como a menina não conhecia quem era o dono do lixo (devia ter algum parentesco com Deus), ela simplesmente se esquecia de pensar nisso. Era uma vez uma menina que tinha medo de ser esquecida por alguém. Para que ninguém esquecesse dela, ela se esquecia dela mesmo, um pouquinho a cada dia... E de tanto esquecer, um dia ela deixou de existir. Como ela deixou de existir, ninguém até hoje sabe se ela encontrou Deus ou não.



Líria Morays

Há algo que sai quando o ar sai... há uma resistência para deixar sair ar
Ar sopra quente quando o corpo está vivo e deseja
Deseja deixar falar e assinar a palavra,
O ar da palavra ar
Que sopra, enche, despenca e desabafa no abismo do abandono
Quem deseja te ouvir, ar quente? Quem deseja o beijo soprado, sugerido, louco para combustão?
Quem queima e teima em explodir deslocadamente nos braços do desejo?
Incoerentemente no passeio para não pedestre, insistentemente caindo e fumando o próprio ar... na esquecida abandonada festa do desejo na Vitória vitoriosa do ar!!!

A oficina:

Havia uma vontade de estar junto das pessoas, e um estar a vontade, e uma curiosidade pra saber sobre o quê mesmo a gente queria falar. Parece que as pessoas de dança necessitam se encontrar para conversar, e, conversar dançando sobre o que elas são.

A performance:

A sensação de abandono na performance foi chegando aos poucos. Os carros passavam e eu conseguia sentir a temperatura do chão de cimento do posto de gasolina. As pessoas eram civilizadas passantes em seus conversíveis e me olhavam piedosamente como a uma coitada. A ação performática me sugeria uma linha tênue entre a arte e a loucura – que sentido poderia estar sendo traçado naquele momento? Perder o sentido era uma metáfora quando eu desmaiava com a respiração sufocada e, perder o sentido no abandono era uma necessidade de falar sem conseguir. Muito bom! Eu precisava de mais uma hora para sucumbir... rsrsrsrsrs




Iara Cerqueira


CORPO SEM CORPO

Descrição de um estágio composicional artístico em tempo real.
Um exercício do olhar dentro/fora da ação.

Pessoas caminham vagando na rua, adultos, idosos, jovens, turistas, vagabundos, mendigos,bêbados...... Qual ao destino? Não importa.Se deparam com pessoas, numa avenida em que se situa o metro quadrado mais caro de Salvador, e encontram corpos, soltos, correndo no lugar, se embrulhando, sentados, pelo chão, pela rua, ajoelhados, deitados, embalados, se equilibrando, estáticos, com um plástico na barriga, com um pano cobrindo o rosto,se lavando; não são corpos comuns, contém uma disposição diferente de quem transita naquela zona ou que tem um arquétipo de mendicância.

Ao som das buzinas de carros, das vozes das pessoas, e de olhares que se tornam cúmplices no julgamento daquele momento sem nunca se terem vistos, se tornam parceiros e entrecruzam pensamentos como se fossem eles, os inquisidores, de julgados a julgadores que levam seus passos e adentram a esse ambiente.
Os espectadores/transeuntes, cada qual com sua história, memória e imaginação, pisam e registram sua passagem com rapidez e a uma distância segura para que não haja qualquer forma de contato, esbarro ou colisão com esses seres herméticos que atuam neste território/rua/Salvador.

Esse processo não tem começo, possa ser que tenha se iniciado com o bate papo informal e despretensioso, proposto por Marcelo Evelin na sala de ensaio, com pessoas com absoluta vontade de experienciar, dando seus vastos depoimentos biográficos, ou no momento da performance/ação na rua, ou ainda durante o decorrer desse processo pós-performance, isso irá depender de cada corpo.

Na performance/apresentação no corredor da Vitória em Salvador/Bahia, a apresentação se deu como um processo já em andamento não se fazendo anunciar pelos sinais propostos em salas de teatros convencionais, indicando o início de uma apresentação formal.

A impressão inicial é de que os corpos ali instalados pareciam se compor de vazios, corpos em total estado de solidão, que não se comunicam. Corpos jogados ecoam em meio ao aquele cenário rico e suntuoso da primeira capital do Brasil. Ao fundo, imagens compõem a ação, árvores centenárias, igrejas e museus seculares,lojas de presentes, olhos arregalados,colégio,edifícios suntuosos, adolescentes,banca de revista, construções, aparts. Não se tem objeto de cena, iluminação, cenografia, linóleo, o ambiente/rua se revela de forma gradativa na medida em que as pessoas penetram aqueles corpos e perguntam:

São loucos? Drogados?Ela é louca?Aconteceu algo nessa rua?Vamos chamar a polícia?Ato político?Onde está o SAMU?Não faça isso se não morre!Já fotografei, chega agora!Se mate vá! Cuidado para não ser roubado!Tão jovem e já enlouqueceu!
Será que morreu?Eu já vi isso, é louca mesmo?Moça, ele é doente?O que está acontecendo hoje?Pode entrar , amanhã tem mais!Nossa ele é forte mesmo!Olha, eu moro na rua, cuidado vão levar o seu Ray Ban(?).Tem um tempão que está se batendo na parede!Aceita uma escova minha filha?Ele tá ai a um tempão, viu?Ela está fazendo propaganda para a loja,volte que amanhã tem mais!

Enfim,o corpo se torna uma mercadoria, exposto e à venda para aquelas pessoas e suas descrições/análises pessoais.
Os transeuntes/espectadores, faziam cada um o seu próprio diagnóstico, os olhares se tornavam mais questionadores e na frente dos performeres eles criavam certa intimidade, um ato evasivo próprio da baianidade soteropolitana.
Perguntam, ameaçam, questionam, soltam gracejos.....

O local centenário é sugestionador de imagens.Cada vez mais, pessoas param para observar a cena/ação, induzidos pelas informações corporais transcritas pelos corpos/cadáveres , afim de se tornar também um participante ativo nessa ação que envolveu um coletivo de artistas que foram selecionados para participar de uma mini-residência com o coreógrafo Marcelo Evelin PI/HO, no projeto Interação e Conectividade III, proposta pelo Grupo Dimenti/Ba.

Em Itens de Primeira Necessidade, o processo de compartilhamento proposto desde o uso da roupa até o local da ação, foi uma das estratégias criativas coreográficas utilizadas e propostas para execução da performance/ação.

Aquelas cenas repetidas insistentemente, de forma crua com/sem roupas, que deixam à mostra corpos/sentimentos/afetos fazem também parte do processo.Para o público eles não eram mendigos, pois eles observavam as formas do corpo, os corpos, e as roupas.Eles eram alguma coisa.Mas existia certo mal estar por causa daqueles corpos/performers estarem localizados naquele local burguês, sem nenhum tipo de afrontação, mas de ação conjunta, numa mobilização continuada de pessoas que pareciam se situarem em um contexto fora dos padrões hetero-normativos de uma sociedade contemporânea.

Qualquer ação, poderia acontecer durante esse percurso, sem previsão sobre essas ações que podiam decorrer das relações entre os transeuntes/performer durante a performance, o grande desafio era atuar e ao mesmo tempo e manter a interação/conectividade não apenas no ser/estar corpo , mas em todos os elementos que compõem a rua, carros, lixo, pedintes, malucos, crianças..........

Fiz uma pergunta durante essa ação?Como sobreviver?Resistir?Seria, aceitar para sobreviver?
Nessa ação, lembrei dos corpos em Auschwitz, que eram submetidos a uma ideologia baseada no autoritarismo, perversidade e na morte em série de pessoas e à razão de um Estado, que pretendia banir as diferenças, negando-lhes a própria humanidade. A sociedade contemporânea descrita por Zygmunt Bauman, se mostra na violência com o qual as pessoas olham aqueles corpos, com indiferença, para uns, com medo ou com piedade para outros, como essa performance foi aberta, propiciou leituras diferentes, uma relação/ olhar que se reestrutura a medida que penetra ao pensamento e a partir da capacidade criativa e interpretativa de cada transeunte/espectador.

A dança é um fenômeno complexo, essa complexidade abrange estímulos que se envolvem para operarem de forma conjunta de maneira que se forma como pensamento do corpo.Essa definição de que a “dança precisa estar sendo feita”, dita por Helena Katz, cabe perfeitamente como é entendida nessa experimentação.As ações são realizadas inseridas naquele espaço-tempo, por meio de experimentos próprios/investigativos, rodeada por todo um local chamado Corredor da Vitória.
Todo o processo instigou de forma muito singular o exercício criativo, favoreceu e estimulou a percepção em relação à experiência contato/ rua, o conhecimento humano e a individualidade de cada artista, uma descoberta muito pessoal/processual.

Inesquecível!

sexta-feira, junho 12

Ação-Avião





Hudson e Cipo fazem avioes de papel branco com etiquetas do Itens de Primeira Necessidade e lancam da janela do andar 22 de um Hotel em Salvador. Os avioes balancam no ar planando, mudam de direcao com o vento, nao parecem com pressa de chegar. Delicadeza de papel no ar. Descem para o Corredor da Vitoria, contornando os predios, ou seguindo a rota do mar.

Nao ha Morte sem Corpo




Nao ha Morte sem Corpo.

Me pego surpreso com uma coisa facil de imaginar – de compreender quando se ve estampado em uma manchete de site da internet - pelas leis e sistemas que regem a nossa vida social, nesse momento e nesse mundo real.

Me pego escrutinando a manchete, tentando entender o fato de uma maneira mais literal talvez.

Brinco com as possibilidades:

Ha vida sem corpo?
Ha corpo sem morte?

Nao ha mortes ainda no acidente da Air France. Mas 44 corpos boiam no mar, ainda em estado de ser um corpo, pelo peso que imprimem em sacos de lona verdes no qual sao recolhidos.

Me chama a atencao um saco escrito “Corpo 11” com um sinal de sexo masculino desenhado em caneta e um numero de registro, sendo tirado de um aviao.

A questao de genero se aplica tambem ao cadaver.
Somos mortos homens e mortos mulheres e continuamos a operar na mesma linha de distincao que experimentamos na vida, nao de maneira muitas vezes injusta para um ou para o outro.




A identificacao do Corpo, Corpo Data, Corpo Caixa Preta.

Os peritos tentam identificar corpos nao apenas no intuito de entregar aa familia - e ao estado, aas leis brasileiras – os corpos que atestam a morte do individuo.
Os especialistas tentam identificar os minutos finais daqueles corpos, na tentativa de reconstruir o acidente a partir das informacoes arquivada naquele corpo morto.

Analisam as fraturas e lugares comuns onde ocorrem nos corpos, ferimentos, marcas de choque, procuram agua nos pulmoes.

A ideia de um corpo que pode reconstruir uma situacao, as condicoes de um lugar e de um determinado tempo, e quem sabe ate uma dimensao humana particular. Isso me fascina. Fico imaginando o que podemos entao enquanto corpos vivos, capazes de movimentos, gestos e as funções sofisticadas dos sentidos. O que podemos como corpos vivos enquanto capacitadores de uma serie de informacoes que podem nos situar no mundo, oferecendo um mapa completo da situacao do momento.



Corpos sao classificados por tatuagens e piercings (marcas de identificacao altamente personalizadas), por restos de roupa e objetos relacionados ao corpo (Seriam portanto estes os itens de primeira necessidade? Objetos que nos fazem ser o que somos?)

Os corpos ainda nao mortos mas bastante longe de poderem ser considerados vivos, transitam em avioes e barcos de nacionalidades diferentes, cada aviao ou barco com seu regime, sua bandeira, sua diplomacia, exercendo um acordo tacito de cooperacao.

A territorialidade se aplica tambem a corpos mortos, e o estado parece requerer o direito sobre esses corpos. Me pergunto ate que ponto os paises requerem direitos sobre os tantos corpos vivos deixados em calcadas, marquises ou debaixo de pontes e viadutos ao redor do mundo.

O meio do mar nao e’ um nao-lugar, apesar de existir uma area onde avioes perdem suas comunicacoes com qualquer torre de commando, no Brasil, na Europa e na Africa, e passam literalmente a transitar em um nao lugar. Apesar da nossa realidade como individuos ser a da experiencia do nao-lugar, segundo estudiosos da supermodernidade.

Essas sao aguas brasileiras. Corpos que boiam em aguas do Brasil, Corpos nem mortos nem vivos sob a Constituicao brasileira, pais de aguas claras, palmeiras e sabias.



quarta-feira, junho 10

8 Corpos no Corredor da Luta




6 de Junho de 2009.
Interacao e conectividade proposto pelo Dimenti.
Humor-Corpo-Politica.

As 10 da manha 17 corpos foram deixados no Corredor da Vitoria, nas calcadas, meio-fios, no asfalto, em portas de lojas, bancas de jornal, hoteis de luxo, no cruzamento, na porta das mansoes.

Foram dois sets de 9 e 8 interpretes ocupando todo o percurso e modificando a manha daquele corredor de Salvador, cidade que parece ter inventado o corredor no Carnaval, corredor de gente, passagem estreita, conectividade pensada em termos mais abrangentes.

Em contradicao ao espetaculo tradicional de sala, onde toda a acao e atencao esta voltada para o palco e o interprete, aqui o espectador desprevenido ganha o foco, passa a ser o agente da acao, o desdobrador do conteudo, reafirmando a acao do corpo.

A ideia de exposicao, fragilidade e abandono do interprete parece se instalar no corpo e deixar ver ao mesmo tempo a forca, o resistir, o se posicionar, a tal latencia da qual tanto falam os filosofos.

Corpos que lutam em suas lutas silenciosas, veladas, lutas que escapam ao controle ou ao querer, lutas que sao travadas no, com e pelo corpo.

O relevo se amplia e se abstrai.
Corpos entre Significacao e Sentido.
A manha corre, o movimento solto,
nas idas e vindas a lugar nenhum.