sexta-feira, junho 12
Nao ha Morte sem Corpo
Nao ha Morte sem Corpo.
Me pego surpreso com uma coisa facil de imaginar – de compreender quando se ve estampado em uma manchete de site da internet - pelas leis e sistemas que regem a nossa vida social, nesse momento e nesse mundo real.
Me pego escrutinando a manchete, tentando entender o fato de uma maneira mais literal talvez.
Brinco com as possibilidades:
Ha vida sem corpo?
Ha corpo sem morte?
Nao ha mortes ainda no acidente da Air France. Mas 44 corpos boiam no mar, ainda em estado de ser um corpo, pelo peso que imprimem em sacos de lona verdes no qual sao recolhidos.
Me chama a atencao um saco escrito “Corpo 11” com um sinal de sexo masculino desenhado em caneta e um numero de registro, sendo tirado de um aviao.
A questao de genero se aplica tambem ao cadaver.
Somos mortos homens e mortos mulheres e continuamos a operar na mesma linha de distincao que experimentamos na vida, nao de maneira muitas vezes injusta para um ou para o outro.
A identificacao do Corpo, Corpo Data, Corpo Caixa Preta.
Os peritos tentam identificar corpos nao apenas no intuito de entregar aa familia - e ao estado, aas leis brasileiras – os corpos que atestam a morte do individuo.
Os especialistas tentam identificar os minutos finais daqueles corpos, na tentativa de reconstruir o acidente a partir das informacoes arquivada naquele corpo morto.
Analisam as fraturas e lugares comuns onde ocorrem nos corpos, ferimentos, marcas de choque, procuram agua nos pulmoes.
A ideia de um corpo que pode reconstruir uma situacao, as condicoes de um lugar e de um determinado tempo, e quem sabe ate uma dimensao humana particular. Isso me fascina. Fico imaginando o que podemos entao enquanto corpos vivos, capazes de movimentos, gestos e as funções sofisticadas dos sentidos. O que podemos como corpos vivos enquanto capacitadores de uma serie de informacoes que podem nos situar no mundo, oferecendo um mapa completo da situacao do momento.
Corpos sao classificados por tatuagens e piercings (marcas de identificacao altamente personalizadas), por restos de roupa e objetos relacionados ao corpo (Seriam portanto estes os itens de primeira necessidade? Objetos que nos fazem ser o que somos?)
Os corpos ainda nao mortos mas bastante longe de poderem ser considerados vivos, transitam em avioes e barcos de nacionalidades diferentes, cada aviao ou barco com seu regime, sua bandeira, sua diplomacia, exercendo um acordo tacito de cooperacao.
A territorialidade se aplica tambem a corpos mortos, e o estado parece requerer o direito sobre esses corpos. Me pergunto ate que ponto os paises requerem direitos sobre os tantos corpos vivos deixados em calcadas, marquises ou debaixo de pontes e viadutos ao redor do mundo.
O meio do mar nao e’ um nao-lugar, apesar de existir uma area onde avioes perdem suas comunicacoes com qualquer torre de commando, no Brasil, na Europa e na Africa, e passam literalmente a transitar em um nao lugar. Apesar da nossa realidade como individuos ser a da experiencia do nao-lugar, segundo estudiosos da supermodernidade.
Essas sao aguas brasileiras. Corpos que boiam em aguas do Brasil, Corpos nem mortos nem vivos sob a Constituicao brasileira, pais de aguas claras, palmeiras e sabias.
Postado por
Marcelo Evelin
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