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quarta-feira, maio 27

Identidade Nacional



Sem-teto, sem pertencimento ou
como a elite brasileira produziu
ideologicamente a grande tribo
dos excluídos brasileiros


Carlos Bauer

Doutor em História pela USP

Professor do Centro Universitário Nove de Julho – Uninove

A sociedade brasileira experimenta hoje um processo de maturação o que expõe, de forma acentuada, quando não dramática, suas principais contradições. Dentre elas, as insistentes e reiteradas tentativas para esconder os excluídos, abafar os ex-escravos e exilá-los nos morros e favelas, submeter ao silêncio os homens brancos e pobres, prender os sem-terra e os sem-teto, transformando todos em personagens que precisam ser reeducados, quando não os reduzindo à condição de marginais e indigentes que precisam ser assistidos pelos serviços de segurança pública e social. Mas, eles estão em cena, não se deixando estigmatizar e reivindicando um lugar na história, suportando as mais sórdidas condições de existência, os limites impensados da miséria e dizendo que, também, fazem parte da nação.

Para melhor entender como se produziu a exclusão social no Brasil, veja como suas elites conservadoras e autoritárias pensaram a idéia de nação.

Desde há muito tempo, vem sendo discutido se existe ou não uma identidade brasileira. Fora dos discursos triunfalistas, próprios das datas comemorativas e dos percalços da xenofobia, as repostas são principalmente negativas.

As formas pelas quais as elites projetaram e implementaram a construção da identidade nacional são, numa perspetiva histórica, uns obstáculos à construção de uma identidade comum não excludente, não marcada pela segregação e pelo reconhecimento afirmativo do multiculturalismo presente em nosso processo societário.


A nação foi pensada como uma fraternidade cristã, uma comunidade democrática (econômica, política e racial) e sem contradições. Este posicionamento ideológico não foi capaz de mascarar a realidade e, mesmo submetidos a mais profunda e sórdida exclusão, surgiram diversificados grupos concorrendo com as elites na construção dos valores nacionais.

Na segunda metade do século XX, toda a história do Brasil transcorreu em torno desta dicotomia. Não faz mais do que duas ou três décadas e muitos intelectuais acreditavam que os valores do nacionalismo, que a elite brasileira produziu com base na exclusão, estavam consolidados e que, quaisquer outras perspectivas, nem mesmo existiam.

Com o desmoronamento do regime militar, instaurado de forma golpista e pela força em 1964, foi necessário reorganizar o pensamento, foi necessário reorganizar a vida social com base em novos protagonistas que entraram em cena e que, com suas lutas e perspectivas de organização política, rearticularam a sociedade civil. Antigos ativistas políticos e sindicais, perseguidos nos idos das décadas de 1960 e 1970, transformavam-se em ocupantes privilegiados das principais instituições nacionais.
Este quadro é novo e povoado de contradições. Isto nos permite dizer que a construção de uma identidade nacional encontra-se totalmente em aberto. A elite brasileira, formada em torno de valores autoritários e conservadores, produziram uma nação povoada por sem terras, sem tetos, sem renda, sem cultura e educação, sem trabalho e esperança. Como vislumbrar que um homem que não tem nem mesmo um teto que lhe possa abrigar contra intempéries que a natureza produz, aspire pertencer a uma nação?

A cidadania não existe para milhões de brasileiros, excluído das mais elementares condições de vida e submetidos as mais sórdidas das explorações. Logo, não se pode falar em identidade nacional.

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