segunda-feira, abril 20
AMALDIÇOADO
Nasci numa mesopotâmia tropical entre rios de água barrenta que passavam numa velocidade quase parando no curso do tempo do lugar. Na classificação dos mundos tirei o terceiro lugar, nasci num mundo hipotecado, hiper-realidade fantasmagórica colonizada quase por acaso na contradição da idéia ilegítima de expansão de poder. Fui amaldiçoado por minha mãe pelo meu pai e por toda uma sociedade que se diz defensora da moral, dos bons costumes e de uma forma de sanidade inóspita que aliena e embrutece os sentidos. Sentidos, músculos, órgãos, e o sangue congelado nas veias e artérias paralisadas pelo medo e pela indiferença. Sou um homem amaldiçoado com registro na carne, maldição que perdura na célula, pulsa no corpo e lateja em cada buraco dele.
Hoje estou fadado a viver submerso entre níveis de compreensão do que seja o real e as ficções que inventamos para não cair no desconsolo da solidão, tão desamparados nos vemos diante do banal, do incerto e do absolutamente sem sentido. Deserto de amor, submerso na monstruosidade de um corpo disforme sem ilusão de alma ou continuidade celeste, sujeito ao escrutínio de si mesmo, renegado e desconsiderado, homem amaldiçoado, corpo matavel, objeto expurgado de um purgatório vigente, mercadoria condenada por data de fabricação, mito despedaçado em um pais sem memória lançado na bagunça generalizada dos opostos em contradição.
Vivo do meu trabalho e do meu corpo, maneira que encontrei de me fazer passar por alguém, mais um na fila de espera desse nada coisa nenhuma que insistem em manter no banho maria para não desacatar a esperança, essa forma egoísta de desconfiança e descrédito em si mesmo. Vivo da lenda em torno da minha figura monstruosa que exala uma beleza tenra, bruta e fétida e que me esconde e isola do que não posso conter.
As vezes choro para não desprezar o que se manifesta do meu corpo. Vago entre sinais de transito em domingos inconsoláveis, feio, sujo e malvado, quando o desejo da carne se contorce em formas de respirações ofegantes, mar sem água, homem amaldiçoado a margem do que não circunda ou des-limita.
E o que eu seria se não fosse mito?
Seria apenas um ladrão barato, um golpista parasita do governo, um organizador de orgia, aliciador de menor, funcionário publico, aidético terminal, um pseudo moderno, um tiozinho medíocre, um gringo metido a besta.
Amaldiçoado pelo que desejo ser e ter, desprotegido do meu próprio desejo, homem avulso, convexo, monstruoso, extravagante e sentimental.
Quando o rio em cheia desce leva barranco, lixo de hospital, esgoto de prédios dos novos ricos, restos de lixo urbano, paredes de barracos e o indissolúvel da maldição que perdura nos ossos e que nos mantem na idéia fixa de que não somos capazes e jamais teremos nossas cabeças fora d’agua, preferindo as luzes da lua cheia por saber esconder nossa própria e real deficiência.
Postado por
Marcelo Evelin
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1 comentários:
Simplesmente maravilhoso.
EG
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