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domingo, julho 6

Joaquina, A Imperatriz que Danca



Ainda sobre dona Joaquina, porque nao consigo me curar de tanta beleza, de tanta dignidade em um corpo dancante.

Dona Joaquina e' uma senhora de mais de 80 anos que frequenta as classes de "Alfabetizacao do Corpo" orientadas por Bid Lima e Soraya Portela para pessoas da terceira idade no Teatro do Dirceu. Recentemente durante a mostra do Dirceu a turma de 35 senhoras e 1 senhor, apresentaram uma peca resultado desse primeiro semestre de aula, e dona Joaquina, a participante mais idosa do grupo, apresentou um solo que me fez (re)pensar todo o trabalho feito ali. 

Fazendo uma ponte entre a dancarina do Dirceu e o inventor do Butoh , Tatsumi Hijikata, consigo enxergar o que o mestre japones queria dizer quando dizia que "o nascimento e' o inicio da nossa morte, passamos a vida dancando essa morte ja anunciada". Hijikata dizia dancar o corpo morto, "um cadaver apenas de pe" e sua danca era sombria, sempre ecoando o prenuncio dessa morte.

Dona Joaquina comecou a dancar no chao, alongando um corpo pouco flexivel pela idade e falta de habito, mas com uma graciosidade e elegancia visivel e sem o impeto de ego que impera em bailarinos jovens. Abriu e levantou os bracos, tocou  o chao em silencio, apoiou os pes no chao, tudo com uma tranquilidade e um sentimento ritualistico verdadeiro, nao estilizado. Apoiando-se no chao e desdobrando o corpo consegue se erguer verticalmente, como uma arvore fincada, como o cadaver que se poem de pe em Hijikata, como que para enaltecer a vida, dizer assim: Estamos em pe porque estamos vivos, ou vice-versa, como que determinando que aquela e' a posicao-situacao do vivo, por mais simples e banal que seja.

A danca de dona Joaquina foi uma das mais lindas que ja vi sendo dancada naquele Teatro, pela precisao, a delicadeza, a entrega daquele corpo ao lugar-momento, pela economia e utilizacao do esforco, por me deixar ver uma existencia, mostrada com transparencia e despojamento, sabendo exalar uma beleza que nao se classifica, nao se comenta ou questiona, de tao densa e profunda que e'.

Sua filha tambem participante da classe, esteve ao lado dela durante o solo, atenta e cuidadosa mas sem interferir nem um momento, apenas protegendo aquela danca ou aprendendo com ela. A danca acabava com ela vindo ate o meio do palco, juntando as maos no peito, curvando levemente o corpo pra frente e ficando em silencio alguns instantes. Um gesto tao conhecido como simbolo religioso pode se transformar em gesto apenas de humildade e sincero agradecimento (sem conotacao com deuses ou dogmas), certeza de uma conexao maior com o universo e com tudo que existe de absoluto. E me pergunto se nao esta justamente ai o sentido do dancar, e a maravilhosa possibilidade de transcendencia do corpo que danca.
  

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