segunda-feira, abril 6
Carlos Pablo Van Gogh
Hoje encontrei Carlos na orla do Rio Negro em Manaus.
O menino se aproximou simpaticamente de nossa mesa no bar Laranjinha, e explicou que faria uma paisagem pintada ali mesmo na hora, em um azulejo, e que custaria 10 Reais, mas se nao gostassemos, nao precisariamos pagar.
O discurso do menino era claro, direto, e tinha a dignidade de um artista que sabe o que ta dizendo, e que sabe que se garante no que faz.
Puxei conversa. Perguntei se seria um retrato, e ele disse que nao, seria uma paisagem, mas eu so pagaria se gostasse, assim como quem tava vendendo um quadro do Monet, garantindo ao comprador a opcao de nao levar, ao mesmo tempo que garantia silenciosamente a qualidade da mercadoria.
Disse que faria em 5 minutos e pensei em comprar na hora.
Mas me interessei mais pela conversa, por saber quem era aquele menino esperto, com ar de brincalhao, negociando ali na lata a sua "arte".
Perguntei a idade e o nome dele. 13 anos, Carlos.
Dei corda, dizendo que um artista tem nome artistico, e ele imediatamente disse que tinha:
Carlos Pablo Van Gogh.
Fiquei pasmo! Perguntei se ele conhecia Van Gogh. Perguntei que estoria era essa de Pablo, ja desconfiado.
Ele disse que Pablo era do Picasso, e Van Gogh...Claro que conhecia.
Contei que Van Gogh nao vendera nenhum quadro em vida, que morreu pobre, e ele me interrompeu pra dizer o preco em Reais de alguns quadros do pintor holandes.
Perguntei se sabia da orelha cortada de Van Gogh, ele fez um gesto como que cortando a propria orelha, ja sabia, e parecia que havia treinado aquele gesto varias vezes porque o fazia perfeitamente, com uma cara de quem ta fazendo uma performance importantissima.
Insistiu em fazer a paisagem, eu disse que tava desempregado, que tambem era artista, e insisti na conversa.
Perguntei se ele conhecia Picasso, ele disse claro, e eu disse que o Van Gogh nao se chamava Pablo e sim Vincent, e falei do irmao do Van Gogh e ele perguntou, o Theo?
Eu de novo de cara. Ai ataquei: E de que outros pintores tu gosta mais? Gosta do Cy Twombly? (o meu preferido)
Ele pronunciou direitinho, Cy Twombly, fazendo ares de que conhecia, mas claramente chutando, apenas repetindo o que eu havia dito.
Me contou que a mae era Venezuelana e ai comecamos imediatamente a falar espanhol, e nao e' que o menino falava espanhol direitinho!
Eu de boca aberta com aquele encontro, surpreso e feliz de ter encontrado o Carlos.
Me apresentou o irmao que havia se aproximado.
Retruquei que aquele nao era irmao dele, nao se parecia em nada, ele insistiu que sim, era irmao, eu disse que nao, ai ele me disse que era irmao por parte de pai, e que os pais estavam na venezuela e que tinha deixado ele ali "solito".
Perguntei onde morava, ele foi logo dizendo que nao tinha casa, contestei, tu tem que morar em algum lugar, ele entregou que morava com o irmao em cima de um bar na orla.
A conversa era franca, sem frescura, o menino me dando rasteira eu puxando o tapete dele, conversa entre artistas.
Pedi pra tirar uma foto, ele posou, eu reclamei brincando que ele nao tava fazendo pose de artista, ele disse: olha ia, to fazendo pose de artista sim, ta vendo nao?
Me contou que o que mais gosta nele mesmo e' o cabelo, pegando no cabelo pintado baratamente de loiro, fazendo charme, tirando onda.
Dei 2 Reais pra ele, e dispensei a paisagem.
Apertamos a mao um do outro antes de se despedir, mas ele foi logo batendo a palma da mao contra a minha, e so tive tempo de fechar o punho pra tocar no punho dele, numa saudacao camarada, atual, comprimento de parceiro.
Fiquei pensando no Brasil, na imensidao desse pais enquanto olhava a escuridao das aguas do Rio Negro.
Vai ser dificil esquecer Carlos Pablo Van Gogh.
E acho que vacilei de nao ter comprado a paisagem, pra vender no futuro por alguns milhoes de dolares.
Postado por
Marcelo Evelin
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