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domingo, março 22

O nao entendimento




O desentendimento, the misunderstanding, a confusão no ato de se comunicar. Geralmente acontece com a linguagem oral, a língua que falamos ou não, o fato de nos apoiarmos tão completamente em uma língua oral para suprir nossa necessidade imediata de se comunicar, se fazer entender e entender o outro.
Esse elemento vem sendo estudado categoricamente pelas ciências cognitivas. Revirado, sacudido, esmiuçado pelos cientistas no sentido de nos fazer entender todos, como se da esse mecanismo de “dependência” com a linguagem oral, se na verdade o corpo e’ o aparato de qualquer linguagem, e se também fazemos uso corrente do entendimento que temos de nossa linguagem corporal. Mas parece que não “confiamos” no corpo, não nos sentimos suficiente seguros para apoiar a nossa comunicação apenas nele, para se entender através dele, já que e’ ele – o corpo – que elabora e provem todas as funções da comunicação.

A idéia do engano e do desentendimento vem sido não apenas estudada pela ciência, mas explorada exaustivamente pela arte, como metáfora do espaço entre o objetivo e o subjetivo. Esse espaço me parece, se expande também nas artes para a relacao entre natureza e cultura (animal e racional) e sobretudo para o embate entre espetáculo e espectador.
A dança como arte do corpo se faz a meu ver, nesse espaço de (in)compreensão, no momento onde não podemos (mais) nos apoiar na língua e temos que fazer uso do corpo, com gestos e mungangos que vão dos mais dramáticos, aos mais absurdos, passando por todo e qualquer tipo de representação.

O problema de (ter que) passar a confiar no corpo para se comunicar e’ que nos damos conta de quão limitada e literal e’ a nossa capacidade de comunicação e de entendimento da linguagem corporal. Sabemos reconhecer quando alguém esta triste, estressado, eufórico, bêbado, mas não temos a especificidade da palavra que define os porquês, como, quando, para sermos capazes de dar nossa opinião ou fazer um comentário a respeito.
Quando tentamos substituir a palavra pelo gesto caímos de cara em representações ridículas, embora quase sempre muito engraçadas.
Esses atos de representação acontecem como uma enxurrada de clichês, de comportamentos, conceitos e “opiniões corporais” apreendidos no corpo ao longo da vida e de nossa relação com o mundo e as pessoas, que acabam por nos "emburrecer", nos tornar incapazes de confiar na nossa capacidade de nos comunicarmos para alem das possibilidades oferecidas por um idioma.

Ai entra o momento da dança atual, a discussão em torno do não entendimento pelo grande publico da arte contemporânea. O publico que parece (querer) falar uma outra língua e não entender nada daquilo, e por pura comodidade prefere dizer “essa língua eu não falo e e’ problema de vocês artistas se fazerem entender, já que eu sai de casa, comprei um ingresso e estou aqui para entender.”
A dança contemporanea vai se organizando nesse espaço do meio, do quase entendimento e da não aceitação das traduções fáceis e rápidas, que nos asseguram a tranqüilidade do ufa!-isso-eu-entendo, tão espetacular e idiotamente oferecidas pela televisão.
A dança vai se fazendo portanto, com e pelos enganos do corpo, pela confusão na nossa comunicação com o proprio corpo, na subversão de regras e normas adotadas impositivamente no corpo e que não mais prevalecem, nesse terreno instável do que entendemos atualmente de nos mesmos.

quarta-feira, março 18




Dias de tensao, espera, expectativa, especulacao, e reunioes que duram horas regadas a cafe e com trocas de lugares entre nos do nucleo de criacao.

To Be Or Not To Be, lembrando que o verbo to be em ingles significa ser e estar, condicao inseparavel, necessidade latente.

Soraya se posiciona de longe, sentimos saudade.

Jonathan me serve cafe com petit gateaux caseiro, chuva truando la fora.

Sergio me conta tragedias que me matam de rir e me diz:

Nascer e' ser tirado de um aquario de agua agradavel e ser jogado na picarra no sol do meio dia.


brutal!

Cesar nos diz a todos:

Se eu nao for trabalhar nisso, se eu nao tiver uma bolsa, eu vou ter que ser cobrador de onibus.

O pai dele e' motorista de onibus coletivo.

Helena, como sempre mestra, generosa, clara como um cristal lapidado pela percepcao vivenciada do mundo e das coisas, me diz por skype:

E' preciso se aliar a eles, fazer com que entendam de dentro, torna-los responsavel, ter algo garantido.
pode demorar 10 anos, esse e' um longo trabalho.


Falamos de crise mundial, cortes, instabilidade para o trabalho artistico, aqui, agora, em todo lugar.

Penso em resistencia, risco, em se deixar levar.
Penso no que mantém juntas as pessoas, no constante e obcecado movimento em busca das necessidades, no desejo de ser querido, amado.

Nunca pensei tanto em existir enquanto e por necessidades.
Identifica-las, organiza-las, descarta-las cada vez mais, se fazer superficie para que acontecam quase como ausencia, apenas lembrança.

Adiciono amigos de longe no Facebook, essa nova brincadeira de pertencer e ser pertencido.

Me impressiona o trabalho do Banksy, suas estorias no livro wall and piece (muro e paz), um trocadilho com war and piece (guerra e paz).
Suas imagens singelas e contudentes como parte de um teatro exato, divertido, inteligente, politico e extremamente acessível.

Salve o momento, e please keep it real!

domingo, março 15

O Mapa do Peters





O Professor Alemao Arno Peters introduziu no mundo em 1974 uma nova projecao do mapa global, o Peters Map.
Esse novo mapa do mundo, segundo ele, e' o correto, e o mapa que estudamos na escola, um mapa racista e protecionista dos paises poderosos, que nao gostariam de serem vistos com a dimensão que realmente possuem.

Voces viram o tamanho da Africa?
E o tamanho dos Estados Unidos da America comparado com a Russia?
Voces viram o tamanho da poderosa Europa comparada com o resto do mundo?

Existe ai uma relacao politico-espacial, ou seja, o espaco manipulado por uma visao politica, o espaco "redimensionado" por uma politica de manipulacao e dominacao mundial.

Confesso que me deu uma chacoalhada, uma tontura, quando me deparei com esse mapa.
E comecei a pensar na Africa de maneira totalmente diferente.
Fiquei pensando no primeiro "homem" surgindo naquele imenso continente, e na relacao espaco/ambiente versus corpo/individuo.

Quais sao seus Itens de Primeira Necessidade?

sábado, março 14

Pattay e Luis sobre Homo Sacer



No meu processo de entender as questoes referentes ao "corpo" do "Itens de Primeira Necessidade" recorro ao Google para expandir o meu entendimento da figura (ou seria sombra?) do "Homo Sacer" de Agamben.

Encontro muita coisa interessante, como diria, idéias e imagens que partem da complexidade dos textos de Agamben, mas que se personalizam, viram opinioes escritas ou visuais individualizadas.

Encontrei o trabalho fotografico da Americana Pattay, que se inspirou na ideia de HS para coloca-lo em imagens (As fotos desse post). No blog da fotografa a maioria dos comentarios vai para o fato de estar escrito na parede da foto amarelada, a palavra "Maricones" (viado, bicha), o que ela reafirma fazer parte da ideia de HS atual.

No Blog do Portugues Luis (Tudo o Mais), achei um texto que me pareceu bastante esclarecedor e abrangente sobre a condicao do HS. (re-publico aqui). Atentar para a ortografia Portuguesa, pois...

Thanx to you two, for images and texts.

No proximo post, tem uma brincadeira de comparar e misturar textos, resenhas, posts, fotos e ilustrações, para tentar entrar por outros lados nesse ser matavel, sagrado, estado de exceção corporalizada.

Inauguro o espaco do blog como arquivo de pesquisa para

Itens de Primeira Necessidade



AUSCHWITZ COMO 'NOMOS' DA MODERNIDADE?

A tese é do filósofo italiano Giorgio Agamben, apresentada no livro Homo Sacer (HS), onde propõe que se considere o campo de concentração como matriz, nomos, do espaço político da modernidade. O aparecimento campo de concentração veio alterar significativamente a natureza do Estado-nação. Este deixou de ser o lugar onde se articulam um território, uma ordem jurídica e regras especificas de vida social, para se tornar num instrumento que toma para si a vida biológica da nação. Com o campo de concentração, o sistema politico deixa de organizar, como até então, as formas de vida e a normas jurídicas, num determinado território, para constituir uma ‘localização dissonante’, o campo propriamente dito, onde toda a vida e toda a norma pode ser tomada e subvertida (Cfr HS 7.7). O campo como ‘localização dissonante’ é, segundo Agamben, a matriz escondida da politica actual, um espaço que se manifesta, em todas as suas metáforas, em realidades tão prosaicas como ‘as zonas de acolhimento’, para imigrantes ilegais, dos aeroportos, ou certas áreas das grandes cidades, verdadeiros espaços de reclusão e exclusão. A reflexão de Agamben reveste-se da maior importância se tivermos em conta, por exemplo, que, ainda recentemente, o Governo italiano de Berlusconi decidiu isolar os campos de imigrantes romenos, na periferia de Roma, identificando sistematicamente as pessoas que entram e saem. Os exemplos de ‘excepção dissonante’ multiplicam-se noutras paragens. Desde a exigência de identificação biométrica, para entrar nos Estados Unidos, até aos campos de detenção de imigrantes na Europa… a biopolitca tornou-se, na tese de Agamben, na matriz da modernidade. Historicamente, o campo de concentração nasceu do estado de excepção - a suspensão temporária dos direitos e garantias dos cidadãos. Com o tempo, o campo de concentração tornou-se no lugar onde a norma ficou definitivamente indiscernível da sua excepção. Onde não é possível distinguir o licito, do ilícito, o legal, do ilegal, o justo do injusto (cfr.HS 7.3). Agamben identifica, então, o elemento constitutivo da excepção, que o campo representa. Quando a ordem jurídica normal é suspensa, a acção dos agentes já não pertence a uma ordem jurídica, nem pode ser avaliada, ou determinada, pela lei. As atrocidades, o seu grau de brutalidade, ou bonomia, já não dependem de uma ordem jurídico-política, nem de eventuais disposições legais, mas apenas do grau de ‘civilidade’ do agente da autoridade, que representa provisoriamente o poder soberano. O grau de arbitrariedade, de discricionidade da autoridade constitui o aspecto mais visível do estado de excepção. A excepção como lei materializada no campo de concentração, tem tido exemplos eloquentes nos últimos anos. É o caso do campo de Guantanamo. Guantanamo não representa apenas um território de excepção, fora da ordem jurídica americana ‘normal’, por assim dizer, que garante os direitos constitucionais dos seus cidadãos. A excepção de Guantanamo tornou-se a regra e exemplo do estado de excepção, que se tem alastrado não só nos Estados Unidos, mas também noutros países democráticos. O Patriot Act, o reforço o poder discricionário das autoridade, a possibilidade de prender alguém sem culpa formada, são algumas medidas tomadas depois do 11 de Setembro, que, no essencial, continuam em vigor hoje em dia, mesmo depois da eleição de uma nova administração americana, e que exemplificam o crescente estado de excepção da vida politica actual. Com um dado novo e inquietante, quanto ao futuro. O progresso tecnológico tem-se colocado ao serviço da politica de excepção. Não trata na exigência de dados biométricos que, dentro do paradigma do campo, representam uma espécie de ‘tatuagem bio-politica’, na expressão de Agamben. Uma forma de identificação compulsiva, que engloba dados biográficos e biológico e que se está a tornar na ‘normalidade’ dominante dos países democráticos. Neste aspecto o futuro que a bio-politica nos reserva parece ainda mais sombrio. É já possível hoje constituir gigantescas bases de dados, capazes de registar dados biográfico e biométricos de um individuo, como também de reconstituir e retraçar a vida, através do rasto que cada um deixa no uso das novas tecnologias, desde as compra por cartão de credito, viagens, registos on line, inscrições, tudo é susceptível de encerrar cada um dentro de um campo cibernético, que materializa as novas e futuras formas de controlo da ‘vida nua’. É bem possível que, no futuro, a tecnologia seja utilizada numa escala nunca vista, como instrumento de controlo absoluto da vida dos cidadão. Um instrumento bio politico de potencialidades ilimitadas, e que se arrisca tornar-se na matriz futura do espaço politico.

Homo Sacer (bem a proposito). Pesquisa no Google de Imagens e Textos.



Em nossa época, o corpo biológico do cidadão veio a ocupar uma posição central nos cálculos e estratégias do poder estatal. A política tornou-se biopolítica, e o campo de concentração surge como o verdadeiro paradigma político da modernidade. Agamben, em sua investigação, traz à luz o vínculo oculto que desde sempre ligou a vida nua, a vida natural não politizada, ao poder soberano. E uma obscura figura do direito romano arcaico será a chave que permitirá uma releitura crítica de toda nossa tradição política: o homo sacer, um ser humano que podia ser morto por qualquer um impunemente, mas que não devia ser sacrificado segundo as normas prescritas pelo rito.



Walter Benjamin: "A tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de emergência em que vivemos não é a exceção, mas a regra".



Paradoxalmente, neste mundo por assim dizer sem bordas, surgem, de dentro das fronteiras imperiais, novas figuras de uma indigência generalizada, de populações literalmente sem direito: os refugiados em campos de concentração, os sem-pátria nas salas de espera internas de aeroportos, os imigrantes sem-documentos, os presos suspeitos de terrorismo etc. A figura do refugiado adquiria uma nova atualidade nos campos da Bósnia, na limpeza étnica, na Segunda Guerra do Iraque, nos desempregados das nações industrializadas, na exacerbação da pobreza no Terceiro Mundo.



Agamben: o homo sacer, ou homem sacro, que, tendo cometido um crime hediondo, não pode ser sacrificado segundo os ritos da punição, e, no caso de ser morto, o seu executante não será punido. O homo sacer é, portanto, este ser paradoxal que cometeu um crime além de qualquer punição, indesejado pelos deuses e pelos homens, fora da jurisdição de ambos, insacrificável, mas, por assim dizer, "matável".



O campo de concentração é a materialização do estado de exceção cuja existência se generalizaria na modernidade. Agamben fornece assim elementos para entender o que, em algum momento, foi autoproclamado como "nova ordem mundial": a guerra preventiva americana, deflagrando a suspensão da ordem jurídica internacional, e constituindo uma soberania mundial sobre não-sujeitos, ou sujeitos extirpados de cidadania, vida nua.

sexta-feira, março 13

Gigante pela Propria Natureza



Dias Sabaticos.
De volta ao Brasil, ceu azul, chuva dos tropicos, rede verde na varanda.
Esperando a burocracia se resolver, o (des)interesse se legitimar, o correto prevalecer.

E nao era o Jorge Albuquerque que dizia carinhosamente " Temos que passar pela estetica para se chegar a Etica" ?
A estetica passa longe daqui, mas persegue-se uma etica carnavalesca, folclorica, etica de fundo de quintal.

O que mais me impressiona no Brasil e' a diferenca de valor entre o rico e o pobre.
Um pode, o outro nao, e parece um acordo tacito, silencioso, ninguem questiona mais.
Sao duas condicoes distintas, uma se impondo sobre a outra, uma dando sentido (?) a outra.
O rico e' rico, o pobre pobre, e nem tem tanto a ver com o dinheiro que se tem.
Mas tem a ver com a educacao, e a cultura que emancipa qualquer um.

Tristes Tropicos, ja detonava sabiamente Levi-Strauss.

Uma vez esperava uma van num lobby de hotel em algum lugar do Brasil, e folheando um jornal, li a seguinte formulacao:
"No Brasil pra voce se dar bem tem que ser homem, rico e branco".
O valor agregado a um genero, uma cor, e a essa condicao vergonhosa de se ter que ser rico (ou fazer de tudo para parecer).
Que meda!

Triste Bahia, nos versos de Cae, tomado emprestado por Josh S. para a trilha de "Self-Service" e mais tarde por Luis de Abreu, que fez ressoar repetitivamente dezenas de vezes entre as paredes do mesmo Teatro Castro Alves em Salvador, no espetaculo "Maquina de Desgastar Gente".

Triste Brazuca, gigante pela propria natureza, impávido colosso, mas triste pra caralho.

domingo, março 8

Deixar Amsterdam!





Dificil esse momento de deixar a casa, a cidade, a rotina, os dias escuros e o frio de Amsterdam.
A cidade continua sendo um lugar muito especial, um cantinho no mundo,
as vezes esplendorosa, quase sempre deslumbrante.

Esse ponto que insiste em ser um ponto,
em permanecer, se fazer casa, ninho, ilusao serena de protecao.
As redondezas da minha casa se transformam em fotografias digitais,
lugares de transito temporario, territorios de um corpo instavel.

Cercar o corpo, atalhar, no embate da questao.
Prescrever os deslocamentos desse corpo, variacoes de uma percepcao esmigalhada.

quarta-feira, março 4

AFFLUENZA!





AFFLUENZA

"Condição de overload socialmente transmissível."

Obra de Erlend H. Hanssen.
Com Jan Barta e Fabian Santarciel de la Quintana como interpretes, alem do criador, que teve que entrar no espetaculo na ultima semana, porque Ariadna Rubio, que fazia antes, ficou doente.
Eu como orientador, com Cenario e Musica de Paul Hoek.

AFFLUENZA

Condicao de overload realmente transmissivel.
Resta o corpo, deposito de nulidade, maquina biologica de fazer sobreviver.
E esse destino de um corpo tocar o outro se faz presente, insiste casual, benevolente.

HetVeem theater
"Teatro de Poucas Palavras"

De 04 a 08 as 20.30.